quarta-feira, 11 de março de 2015

Educação Física e Capoeira: Cultura Popular e Indústria Cultural no Jogo de Roda

Na verdade amigos este artigo é longo e por isso, vou dividi-lo em algumas postagem, espero que gostem e comentem e divulguem em suas redes sociais para maior alcance dessas linhas bem tramadas pelo referido autor.

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A Educação Física brasileira precisa (...) resgatar a capoeira enquanto manifestação cultural, ou seja, trabalhar com a sua historicidade, não desencarná-la do movimento cultural e político que a gerou (Coletivo de Autores, 1992, p.76).
Neste trabalho, apresento minha experiência pedagógica desenvolvida no Colégio Estadual Doutor Gastão Vidigal, no município paranaense de Maringá, Núcleo Regional de Ensino de Maringá, onde realizei a fase de implementação do material didático do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), turma de 2007, junto aos alunos das primeiras séries do ensino médio, turmas J, K, L e M, do período vespertino, durante as aulas regulares de Educação Física (EF). A implementação do material didático do PDE foi realizada no primeiro trimestre de 2008.
A partir de março de 2007, procurei potencializar o ideal político do PDE - no que se refere à forma inusitada de capacitação de professores da rede pública estadual de ensino do Paraná - empreendendo uma pesquisa que abarcou temas complexos e densos como indústria cultural, pós-modernidade, identidade cultural, globalização, esportivização e EF. Este estudo procurou desvelar o percurso histórico da capoeiragem à luz dos pressupostos da teoria crítica, a partir do conceito de indústria cultural. Procurei, ainda, identificar as diferentes formas pedagógicas inseridas no universo capoeirístico a partir dos diálogos mantidos com a Educação Física e, especialmente, com os elementos estruturadores da realidade sócio-histórica que a determinam. O itinerário destas reflexões ensejou um material didático que procurou fornecer o aporte necessário à afirmação dos fundamentos pedagógicos africanos presentes na Capoeira Angola como justificativa à sua inserção nas aulas de EF na condição de componente alternativo à atual prática hegemônica esportiva. Este material didático resultou numa monografia intitulada: “Educação Física e Capoeira: Cultura Popular e Indústria Cultural no Jogo de Roda”.

A oportunidade de estudar estas questões significou devolver ao aluno, à escola, à EF e à sociedade um fragmento da expectativa e confiança depositadas no mundo acadêmico por tantos brasileiros historicamente vitimados pela carência absoluta de experiências desta envergadura.

VAMOS AGORA AO ÍTEM 01 DO TEXTO...

1. Descaminhos das identidades culturais na pós-modernidade


O Brasil, pelas suas condições particulares desde meados do século 20, é um dos países onde essa famosa indústria cultural deitou raízes mais fundas e por isso mesmo é um daqueles onde ela, já solidamente instalada e agindo em lugar da cultura nacional, vem produzindo estragos de monta. (Milton Santos)
O mundo contemporâneo, marcado vigorosamente pela mundialização da indústria cultural e suas relações com a crença numa nova ordem social proporcionada, sobretudo, pelo empuxo das tecnologias da comunicação, assinala uma inusitada manipulação das consciências e abala todas as convicções consolidadas na modernidade. É a partir da derrocada da lógica, do desencanto que se instala sobre a identidade e a cultura (acompanhados da crise de conceitos fundamentais ao pensamento moderno tais como “verdade”, “razão” e “legitimidade”) que se inicia a partir da década de 1960, a pós-modernidade, entendida por Frederic Jameson como a lógica cultural do capitalismo tardio (JAMESON, 1994). Em que pese as polêmicas em torno do ato de se conceituar a pós-modernidade, concordo com Loureiro e Della Fonte (2003, p. 15-16), segundo os quais:
A caracterização clássica do conceito de pós-moderno é a de Loyotard (2000). Segundo esse autor, o advento do pós-moderno se relaciona às mudanças amplas ocorridas a partir do final dos anos 50: a saber, muda o estatuto ao mesmo tempo em que as sociedades entram na “idade pós-industrial” e a cultura na idade “pós-moderna”. O termo pós-moderno designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos das ciências, da literatura e das artes a partir do século XIX. (...) Lyotard considera pós-moderna a incredulidade em relação aos metarrelatos (...), do apelo da ciência a idéias de progresso e emancipação. 
De acordo com Jameson (1985, p. 26), "a emergência da pós-modernidade está estritamente relacionada à emergência desta nova fase do capitalismo avançado, multinacional e de consumo”. O perfil pós-moderno do modo de produção capitalista caracteriza um período no qual as mudanças tecnológicas são tão amplas e rápidas que transgridem a capacidade humana de pensá-las, senti-las e ponderar sobre elas. É a validação da provisoriedade, em que as certezas tornam-se relativas e os meios de comunicação já não apenas informam, produzem hábitos e valores voltados ao consumo dos produtos de uma indústria cultural que se vê cada vez mais mundializada.
Na pós-modernidade, os interesses hegemônicos do capital agudizam seu cerco às questões culturais, mergulhando o ser humano numa realidade globalizada que proclama a si mesma como redentora da humanidade pelo espraiamento mundial dos produtos da indústria cultural camuflados sob o pseudônimo de “conhecimento”. Como consideram Lastres; Cassiolato; Maldonado; Vargas (1998, p. 01),
A emergência de um novo paradigma tecnológico e a globalização financeira são os traços mais marcantes da economia mundial nos últimos 15 anos. Estreitou-se ainda mais a integração da economia mundial, enquanto a revolução tecnológica se difundia rapidamente, porém de forma desigual, mesmo entre as principais economias avançadas. (...) No contexto internacional da década de 1990, uma das características principais das intensas mudanças observadas nos processos produtivos relaciona-se à crescente intensidade de investimentos em conhecimento.
Contudo, para além do véu das aparências, a globalização não abdica da exploração econômica, da injustiça e da desigualdade. Referindo-se aos conflitos oriundos das desigualdades no mundo globalizado, Duarte (2007, p. 150) cita os seguintes números:
Nos últimos 15 anos os rendimentos do capital cresceram 59% enquanto aqueles oriundos do trabalho, praticamente não cresceram, i.e., tiveram um acréscimo de apenas 2%. Nas últimas duas décadas a produção mundial aumentou de 4 para 23 trilhões de dólares norte-americanos, enquanto o número de pobres nesse período aumentou em 20%. No que concerne à participação dos mais pobres na renda mundial, a parcela diminuiu de 4% em 1960 para 1% em 1990. A concentração chegou a um ponto em que 358 bilionários possuem hoje mais da metade de tudo que a humanidade percebe.   
  As inovações tecnológicas incessantes aplicadas ao mundo das comunicações tendem à supressão das fronteiras nacionais. As trocas de bens culturais desestabilizam antigos e consagrados sentimentos de identidade e pertencimento. De acordo com Hall (2003), como decorrência dos processos mundiais de globalização, que esfacelam tempo e espaço, a identidade encontra-se descentrada, deslocada e fragmentada, com sensível abalo em seu quadro de referências.
O sujeito pós-moderno, (...) não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (HALL, 2003, p.12-13)
No mundo globalizado as identidades locais são “reinventadas” a partir de uma amnésia social que prescreve um modelo cultural para que todos – ricos, pobres, judeus, muçulmanos, cristãos, brancos, negros, índios, asiáticos e mestiços – se identifiquem. Apaziguam-se as desigualdades como resultado de um processo de aculturação. O que questiono aqui não é o declínio das identidades culturais calcadas no modelo do Estado burguês, mas a reformulação das identidades culturais populares, obediente unilateralmente à volubilidade do mercado de bens culturais industrializados.




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